PARECER Nº , DE 2011 Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 268, de 2002, do Senador Benício Sampaio, que dispõe sobre o exercício da Medicina.
RELATOR: Senador ANTONIO CARLOS VALADARES
I – RELATÓRIO
É submetido à análise desta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado (SCD) nº 268, de 2002, de autoria do Senador Benício Sampaio, que dispõe sobre o exercício da Medicina.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 268, de 2002, foi aprovado no ano de 2006, em decisão terminativa da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), na forma de um substitutivo oferecido pela relatora naquele colegiado, a Senadora Lúcia Vânia. A proposição tramitou na Câmara dos Deputados sob a designação de Projeto de Lei (PL) nº 7.703, de 2006, sendo aprovado, também na forma de substitutivo, pelo Plenário daquela Casa Legislativa.
Retorna ao Senado Federal, na forma do parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal, para análise das alterações promovidas pela Câmara.
A proposição enviada à revisão da Câmara dos Deputados é composta por oito artigos. O primeiro delimita o escopo da lei, enquanto o segundo define o objeto da atuação profissional do médico, que é a saúde humana.
O art. 3º trata da atuação do médico na condição de membro da equipe de saúde.
[O objeto da medicina não pode ser a Saúde Humana, este é o campo onde se insere a atuação, não somente de toda a equipe de saúde, mas todo o espectro de ações do desenvolvimento socioambiental, do saneamento básico e da preservação da natureza, tal como descrito na Lei Orgânica da Saúde e intensamente debatido – no contemporâneo – na esfera internacional com a Conferência Mundial dos Determinantes em Saúde. O objeto da medicina é o diagnóstico médico e respectivo tratamento.]
O art. 4º trata das atividades privativas do profissional graduado em Medicina. O caput do artigo tem quinze incisos que definem as atividades que somente podem ser exercidas por médicos. Os parágrafos 1º a 3º cuidam de detalhar a questão do diagnóstico nosológico, excluindo explicitamente algumas modalidades de diagnóstico das restrições legais.
[Diagnóstico nosológico quer dizer o diagnóstico das doenças assim definidas pelos manuais de nosologia. Há dois aspectos para considerar: se compete ao médico o diagnóstico de doenças, então lhe escapa o diagnóstico de problemas de saúde ou de necessidades em saúde. Os médicos realizam diagnóstico de afecções mal definidas e das condições difusas que ainda não se encaixam nas definições conhecidas como doença, também fazem diagnóstico de aflições e vivências de sofrimento que não equivalem a doenças. “Dores” que não devem ser conduzidas ao diagnóstico de doença porque simplesmente falam dos modos de levar a vida e requerem atenção médica, suporte, acompanhamento ou clínica, mas não eliminação, erradicação ou extirpação. São necessidades em saúde e requerem cuidado, atenção, alívio de sofrimento, prescrição terapêutica. Nessa hora o objeto se alarga e o médico passa a pertencer a uma equipe de saúde. O próprio projeto de lei, entretanto, prevê como privativos de médico, os procedimentos invasivos estéticos, ou seja, inclui-se o diagnóstico de dano ou sofrimento e, ainda, circunstância estética (que não é igual à doença). Todas as intervenções estéticas que têm em vista embelezamento não correspondem à doença. Os médicos diagnosticam necessidades de saúde mais precisas também, como as resultantes de agravos como ferimentos, acidentes, calamidades e por aí afora. De outra parte, todos os profissionais de saúde realizam diagnóstico de doença, retirar-lhes essa capacidade é o mesmo que dizer que toda a sua oferta terapêutica está dissociada do tratamento ou excluída de autonomia na formulação de critérios de intervenção. Não basta preservar o previsto nas profissões, é uma questão de conceito. As profissões, porque crescem e se modificam, alargam conhecimentos, práticas e competências, não são estáticas. A história as modifica, podendo até mesmo serem extintas. Por isso essa Lei é anacrônica, ela instaura a fixação do que estava em mudança. Toda a intervenção terapêutica resulta de critérios de intervenção; a aplicação de critérios de intervenção é o diagnóstico. Na composição das 2 análises, existe apenas um único tipo possível de redação: é privativo do médico o diagnóstico médico ou de necessidades de intervenção médica, o que se repetirá para 100% das profissões que atuam na saúde (diagnóstico e tratamento psicológicos, diagnóstico e tratamento fisioterapêuticos, diagnóstico e tratamento de enfermagem...). Uma questão bem mais delicada é relativa aos sentidos e riscos da expressão diagnóstico nosológico, pois a definição de doença não pode competir privativamente ao médico (de jeito nenhum), isto seria restaurar a biopolítica do século XVIII (com todas as suas consequências ainda intangíveis), tão duramente revista ao longo dos 2 últimos séculos por toda a antropologia médica, a psicanálise, a educação em saúde e a saúde coletiva. Chega a causar sofrimento intelectual ver esse conceito ganhar estrutura de lei, quando todas as ciências humanas em saúde vêm reivindicando o conceito de saúde humana e das coletividades como território das humanidades, da singularização da vida e das articulações entre políticas sociais econômicas e qualidade de vida. O que é privativo do médico é o diagnóstico médico e a intervenção médica, ficando em aberto essa construção social, científica, epistêmica, tecnológica.]
Os §§ 4º e 5º do art. 4º definem o que são procedimentos invasivos, a fim de determinar que alguns tipos de procedimento, apesar de apresentarem certo grau de invasividade, não são privativos do médico. O inciso VI do § 5º traz outra exceção ao disposto no caput do art. 4º: o atendimento da pessoa sob risco de morte iminente, independentemente de implicar condutas e procedimentos típicos da atividade médica, não é privativo do médico.
4O § 6º do mesmo art. 4º exclui a Odontologia do âmbito de aplicação do art.º. O § 7º determina que a aplicação das disposições do artigo será feita de forma a resguardar as “competências próprias das profissões de assistente social, biólogo,biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia”.
[Que sentido pode ter uma lei de exercício profissional referir nominadamente as demais? A única formulação possível seria de que o médico atua em equipe de saúde e constrói seu pertencimento à equipe em bases interdisciplinares de atuação multiprofissional. Nesse tipo de texto, também ocorre a mistura de profissões científicas com profissões técnicas e tecnológicas, isto reduz todas as profissões de saúde ao estatuto de tecnologias e apenas a medicina e a odontologia como científicas.
Ora, uma profissão como a psicologia, nasce primeiro como ciência e apenas depois como profissão. A biologia é uma ciência básica e está na essência de todos os saberes sobre o vivo ou a vida (qualquer espécie de vida: humana, animal, vegetal, aquática, florestal, no deserto, em outros planetas etc.), não se reduzindo ao trabalho na saúde (não é ciência da saúde, é ciência da vida). A biologia incide sobre a saúde com caráter científico superior (a maior parte dos prêmios Nobel de medicina são relativos aos biólogos, não aos médicos). O serviço social, embora configure alta empregabilidade no setor da saúde, pertence a outro campo de saberes: a assistência social, que tem repercussão no judiciário, nas pedagogias sociais, em todos os tipos de desigualdade e iniquidade social. O serviço social, na esfera da ciência, pertence às Ciências Sociais Aplicadas, não às Ciências da Saúde. Então, não se trata de resguardar as competências próprias das outras profissões, o simples fato de cita-lá às rebaixa no espectro intelectual ou às restringe a lugares sem sentido na ciência contemporânea e história da ciência. Inclusive com um autoritarismo da saúde sobre espectros outros que lhe escapam. A biologia, psicologia e serviço social são os exemplos mais cabais, uma vez que nem da saúde são. A biologia é Ciências Biológicas (dá nome a um campo de ciência, que se refere a qualquer presença de DNA na face da terra ou fora de dela, até mesmo a existência de água em Marte). A psicologia é Ciências Humanas (dá nome a qualquer processo subjetivo, que vai da explicação da inteligência humana às estruturas da cognição e dos afetos que constituem as relações inter-humanas, a sociabilidade e produção da cultura ou da arte). O serviço social é Ciências Sociais Aplicadas (dá nome a todas as estratégias sociais de superação das dificuldades de viver em sociedade: deficientes, pobres, asilados, marginalizados, excluídos, incapacitados, desempregados, apenados, infratores, segregados e toda ordem de vulnerabilidades sociais). A farmácia, além de uma ciência que abarca aspectos da bioquímica, da tecnologia de alimentos, das análises clínicas, da fabricação de medicamentos e da farmacologia, é a 3ª profissão mais antiga da saúde, junto com a medicina e a odontologia. A nutrição, embora uma ciência da saúde, não é uma profissão específica da saúde, a nutrição é necessária em qualquer instância onde se organize de maneira estrutural a alimentação, o que considera todo e qualquer refeitório, cozinha e restaurante (de escolas ou universidades, de fábricas, comunitários, de albergues sociais, de prisões...), todo o campo da segurança alimentar, indústria de alimentos, todas as políticas de combate à fome, a economia doméstica, a regulação da cadeia alimentar etc. requerem o nutricionista. A Educação Física atua predominantemente na área da educação e do esporte, que não são da saúde, atando na saúde com todas as referências da ludopadagogia, além do ludodiagnóstico e ludoterapia, que se colocam em qualquer ambiente com a presença de coletivos em recreação, lazer assistido ou atividade física/prática corporal. É longa e histórica a luta da Educação Física pelo fim do exame médico para fins de aula de educação física na escola, lutando pelo fim da tutela médica em sua intervenção profissional. Percebe-se que não faz o menor sentido uma lei sobre medicina referir as outras profissões. É uma invasão anticientífica e de forte dano moral, ainda que preservadas as prerrogativas legais das profissões, posto que reduz a ciência a uma questão de prerrogativas corporativas de trabalho na saúde.]
O art. 5º estabelece atividades administrativas e acadêmicas, estritamente ligadas às atividades profissionais privativas, que são também restritas ao médico. O art. 6º restringe a denominação de “médico” aos graduados em Medicina e o exercício da profissão aos inscritos em Conselho Regional de Medicina.
A competência para regular e fiscalizar o exercício profissional da Medicina é abordada pelo art. 7º da proposição. O caput confere ao Conselho Federal de Medicina o poder de definir quais procedimentos estão liberados para aplicação pelos médicos, quais estão vedados e quais podem ser empregados apenas em caráter experimental. O parágrafo único determina que os Conselhos Regionais devem fiscalizar e controlar esses procedimentos, de acordo com as normas emanadas pelo Conselho Federal.
Por fim, o art. 8º determina que a lei que resultar do projeto entre em vigor sessenta dias após a data de sua publicação. As alterações promovidas pela Câmara dos Deputados não modificaram substancialmente o espírito original da proposta aprovada por esta Casa, sendo mantida intacta sua estrutura, exceção feita à exclusão da cláusula de vigência (art. 8º).
Foram promovidas modificações nos seguintes dispositivos do PLS nº 268, de 2002:
· incisos V, VI, VIII e XIV do caput do art. 4º;
· parágrafos 1º, 2º, 3º, 5º e 7º do art. 4º, com acréscimo de três incisos ao § 5º e de um § 8º;
· inciso II do art. 5º;
· art. 7º; e
· art. 8º (exclusão).
As alterações serão detalhadas ao longo da análise. A matéria foi distribuída à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e à Comissão de Assuntos Sociais.
II – ANÁLISE
Nos termos do art. 101, II, f, do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), compete a esta Comissão opinar sobre o presente projeto de lei. De início, cabe observar que, segundo o art. 65 da Constituição Federal, o projeto de lei aprovado por uma Casa Legislativa será revisto pela outra e, sendo emendado, voltará à Casa iniciadora. Consoante os arts. 285 e 287 do RISF, a emenda da Câmara a projeto do Senado não é suscetível de modificação por meio de subemenda, e substitutivo da Câmara a projeto do Senado é considerado uma série de emendas. Logo, nesta fase de tramitação do SCD nº 268, de 2002, cabe a esta Casa aceitar ou rejeitar o Substitutivo, na íntegra ou em parte.
A Constituição Federal consagra, em seu art. 5º, XIII, o livre exercício “de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Contudo, no mesmo dispositivo, a Carta Magna faculta a instituição de limites e requisitos para o exercício profissional, mediante lei, a fim de preservar a saúde e a segurança da população. A regulamentação das profissões se justifica porque os serviços que elas fornecem seriam organizados e distribuídos de forma indesejável à sociedade, se deixados sob controle exclusivo das forças de mercado. Com efeito, os requisitos legais para o exercício de determinada profissão servem para proteger os usuários dos serviços de praticantes inescrupulosos ou incompetentes, por meio do estabelecimento de padrões mínimos aceitáveis no que se refere às questões técnico-científicas e ao comportamento ético do praticante.
O lado potencialmente negativo da regulamentação profissional diz respeito à instituição de reservas de mercado para determinadas atividades, restringindo o acesso de muitos trabalhadores à prática de atos tidos como privativos de determinada profissão. Isso gera um “domínio patrimonial” de uma atividade profissional, que pode ser maior ou menor de acordo com a extensão da lista de atos privativos conferidos àquela categoria. A exemplo de outras políticas reguladoras de mercado, a atribuição de monopólios sobre certas atividades deve necessariamente resultar em benefícios significativos para a população.
[A busca de domínio patrimonial pela medicina com a Lei de regulamentação é evidente: salta aos olhos a reserva de mercado aos dermatologistas, aos oftalmologistas e aos anatomopatologistas. Os médicos conseguiram impedir a evolução das profissões de optômetra e optometrista (para o simples a acesso às lentes que podem devolver a leitura a alguém por todo o território nacional, nas bibocas da vida, impõe-se a presença do médico que lá não estará). Os dermatologistas estão se espalhando pelos shoppings com “clínicas” de estética (como se este fosse um conceito de saúde humana), restringindo a intervenção do pessoal de estética pela intervenção do pessoal de medicina. Não há mais a procura pelas residências em anatomopatologia, a biomedicina se expandiu para viabilizar essa resposta social, sendo uma profissão específica, proveniente da biologia. A enfermagem apresenta um crescimento mundial acentuado, em especial na Europa, com forte autonomia no diagnóstico de doenças e prescrição de medicamentos, em especial depois do processo de Bolonha e da consolidação da Comunidade Econômica Europeia. Para evitar a repercussão no Brasil, a Lei é preventiva da expansão de outra profissão. A Lei tem clara intenção de cercear a enfermagem, como se fosse um risco à medicina.]
Outro aspecto que não pode ser olvidado no processo de regulamentação de uma atividade profissional é o respeito às prerrogativas das demais profissões que competem por aquele segmento de mercado, sempre tendo como norte a supremacia do interesse público. Qualquer norma de regulamentação profissional deve ter por diretriz máxima a defesa da sociedade contra possíveis efeitos prejudiciais da prática das profissões.
Essas diretrizes sempre balizaram a atuação desta Casa Legislativa no processo de regulamentação legal do exercício da Medicina, desde a apresentação dos PLS nos 25 e 268, ambos de 2002. O justo reclame dos médicos – de terem seu campo de atuação devidamente delimitado por lei, como ocorre com outras profissões de saúde – foi analisado e cotejado com as considerações e os argumentos aduzidos por representantes de categorias profissionais próximas à Medicina.
Ademais, o texto originalmente aprovado pelo Senado teve a preocupação maior de atender aos interesses da população usuária dos serviços de saúde, acomodando, na medida do possível, os anseios e as reivindicações de todas as profissões de saúde regulamentadas.
Enviado à Câmara dos Deputados, o PLS nº 268, de 2002, recebeu numerosos aprimoramentos ao longo de sua tramitação naquela Casa, que serão analisados a seguir. Algumas modificações, no entanto, podem ser prejudiciais à assistência à saúde da população e devem ser rejeitadas por esta Comissão.
A Câmara promoveu a fusão dos incisos V e VI do caput do art. 4º do PL nº 7.703, de 2006, que tratam da assistência ventilatória mecânica ao paciente. Os termos “definição”, do inciso V, e “supervisão”, do inciso VI, foram trocados por “coordenação”, a fim de atender a um pleito dos fisioterapeutas. Essa versão deve prevalecer, pois atende às necessidades de médicos e fisioterapeutas envolvidos no atendimento de pacientes em estado grave, especialmente nas unidades de terapia intensiva (UTI).
O inciso VIII do art. 4º da proposta original enviada pelo Senado, por sua vez, foi desmembrado em dois dispositivos, os incisos VII e VIII do art. 4º do SCD nº 268, de 2002. Todos eles tratam da emissão de laudos de exames ligados a procedimentos invasivos. O objetivo do desmembramento é excluir a emissão de laudo de exames anatomopatológicos como atividade privativa de médico, inserindo a emissão dos diagnósticos anatomopatológicos e citopatológicos como tal, o que é feito por meio de um novo inciso.
Essa mudança foi duramente criticada pelos biomédicos e pelos farmacêuticos, que a consideraram restritiva à sua liberdade de exercício profissional, motivo pelo qual opinamos por sua rejeição, assim como a do inciso VII do § 5º do art. 4º. Nesse tema, o texto originalmente aprovado por esta Casa atende melhor aos interesses da sociedade.
No inciso XIV do art. 4º, julgamos que a contribuição da Câmara ao projeto deve ser acatada pelo Senado. A referência a “sequelas”, em vez de a “deficiência”, enfatiza melhor o caráter nosológico do atestado.
A modificação efetuada no § 1º do art. 4º trouxe maior fluidez e clareza ao texto, em atendimento ao disposto no art. 11 da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração das leis. Foi retirada a adjetivação desnecessária do diagnóstico nosológico e mantida, na íntegra, sua definição.
Com relação ao § 2º do art. 4º, as alterações promovidas pela Câmara podem resultar em problemas, especialmente para fisioterapeutas e fonoaudiólogos. O objetivo dos Deputados é meritório, sem dúvidas. Há certas situações, mormente no pós-operatório
de cirurgias ortopédicas, em que o cirurgião é a pessoa habilitada a avaliar a função do membro ou órgão operado. Essa atribuição não deve ser delegada a pessoas estranhas à profissão médica, sob pena de impor riscos à integridade física do paciente.
No entanto, a exclusão dos diagnósticos funcional e cinésio-funcional como não privativos de médico pode gerar insegurança a fisioterapeutas e fonoaudiólogos, visto que ambos fazem avaliações funcionais nas suas práticas profissionais.
Ressalte-se que a exclusão promovida pela Câmara não resultaria em se considerar os diagnósticos funcional e cinésio-funcional em geral como privativos de médico. Esses diagnósticos não são nosológicos e, portanto, não competem exclusivamente ao graduado em Medicina. De outro lado, a avaliação cirúrgica, seja pré, intra ou pós-operatória, deve ser reservada ao médico habilitado.
Nessa possível fonte de conflitos, julgamos mais apropriada a solução adotada no texto enviado pelo Senado. Enquanto o § 2º do art. 4º confere a necessária segurança jurídica a fisioterapeutas e fonoaudiólogos, o inciso II do caput do artigo permite entender que o médico deve ser o responsável pela conduta pós-operatória.
No § 3º do art. 4º, a expressão “décima revisão” foi substituída por “versão atualizada”, para definir qual versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde será usada para a nomenclatura das doenças. Essa modificação aprimorou o texto, pois permite a constante atualização da norma, sem necessidade de intervenção do Poder Legislativo.
O § 5º do art. 4º foi alterado para corrigir falha ortográfica. Trata-se de emenda de redação, que deve ser acatada. Os incisos VIII e IX acrescidos a esse parágrafo cuidam de detalhar os procedimentos invasivos privativos de médico. Não destoam das definições do texto enviado à revisão da Câmara e devem ser aprovados.
A redação do § 7º do art. 4º constante do SCD nº 268, de 2002, estende a garantia de não interferência às profissões de saúde que vierem a ser regulamentadas por lei. É uma medida justa, pois visa a proteger não só as profissões já regulamentadas, mas também aquelas ainda em processo de reconhecimento.
O § 8º inserido no art. 4º, por sua vez, traz para o texto legal uma definição desnecessária. Essa opinião é compartilhada pelo Ministério da Saúde, que acompanhou a tramitação do projeto desde sua apresentação em 2002. O dispositivo deverá ser rejeitado, portanto.
[É importante ressaltar que as posições apresentadas pelo Ministério da Saúde não foram compartilhadas por todos os segmentos desse Ministério e nem pelo Conselho Nacional de Saúde.]
As alterações promovidas no inciso II do art. 5º e no art. 7º não interferem no mérito da proposta. Configuram emendas de redação, que devem ser acatadas, pois aprimoram o texto desses dispositivos.
A exclusão do art. 8º, por sua vez, não pode ser acatada pelo Senado, visto que configura violação ao art. 8º da Lei Complementar nº 95, de 1998, por deixar a lei sem cláusula de vigência expressa.
III – VOTO
Com base no que dispõe o art. 287 do Regimento Interno do Senado Federal, o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 268, de 2002, será considerado série de emendas à proposição originalmente aprovada por esta Casa. Destarte, e em face de todo o exposto, não obstante a constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do SCD nº 268, de 2002, com exceção da emenda que suprimiu o art. 8º do PLS nº 268, de 2002, que fere a boa técnica legislativa, opto, no mérito, por aprovar o Projeto de Lei do Senado nº 268, de 2002, com o acatamento dos seguintes dispositivos modificados pela Câmara:
- incisos V e XIV do caput do art. 4º do SCD nº 268, de 2002;
- §§ 1º e 3º do art. 4º do SCD nº 268, de 2002;
- caput e incisos VIII e IX do § 5º do art. 4º do SCD nº 268, de 2002;
- § 7º do art. 4º do SCD nº 268, de 2002;
- inciso II do art. 5º do SCD nº 268, de 2002;
- art. 7º do SCD nº 268, de 2002.
Por conseguinte, o voto é pela:
- rejeição dos incisos VII e VIII do caput do art. 4º e do inciso VII do § 5º
do art. 4º do SCD nº 268, de 2002, mantendo-se a redação original do inciso VIII do caput
do art. 4º oferecida pelo Senado;
- rejeição do § 2º do art. 4º do SCD nº 268, de 2002, mantendo-se a redação
original oferecida pelo Senado para esse dispositivo;
- rejeição do § 8º do art. 4º do SCD nº 268, de 2002;
- manutenção do art. 8º do projeto originalmente aprovado pelo Senado.
Apresentamos o texto consolidado, com os ajustes acima determinados, conforme faculta o art. 133, § 6º, do RISF:
TEXTO FINAL CONSOLIDADO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO,
JUSTIÇA E CIDADANIA
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 268, DE 2002
Dispõe sobre o exercício da Medicina.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O exercício da Medicina é regido pelas disposições desta Lei.
Art. 2º O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza.
[Se é para uma lei de exercício profissional, esta definição está inadequada, este é o campo onde se insere o objeto: o objeto da atuação do médico se insere no campo da saúde humana e das coletividades, naquilo que se refere à abordagem médica. A lei não tem que definir o que é medicina, apenas o que é a profissão médica, por isso essa possível redação não requer conceitualização de medicina, mas de prática médica (exercício profissionalizado da medicina). O objeto da medicina não pode ser a Saúde Humana, este é o campo onde se insere a atuação, não somente de toda a equipe de saúde, mas todo o espectro de ações do desenvolvimento socioambiental, do saneamento básico e da preservação da natureza, tal como descrito na Lei Orgânica da Saúde e intensamente debatido na esfera internacional com a Conferência Mundial dos Determinantes em Saúde. O objeto próprio da medicina é que é o diagnóstico médico e respectivo tratamento, mas pode ser definido como atividade privativa, o inciso I do Art. 4º é que poderia vir para cá (o lugar mais preciso).]
Parágrafo único. O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde para:
I – a promoção, a proteção e a recuperação da saúde;
II – a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças;
III – a reabilitação dos enfermos e portadores de deficiências.
[É fundamental alterar essa redação para “O médico desenvolverá suas ações profissionais no campo da atenção à saúde, como membro de equipes interdisciplinares e multiprofissionais, para: (...)”. É preciso afirmar o trabalho em equipe. A única Lei de Exercício Profissional, explícita nesse sentido é a da Enfermagem. Essa redação é de honra à ciência, às profissões e aos saberes intelectuais no trabalho.]
Art. 3º O médico integrante da equipe de saúde que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará em mútua colaboração com os demais profissionais de saúde que a compõem.
[Esse artigo sucede e qualifica a redação proposta ao anterior. A conjugação dos 2 artigos tornará essa Lei mais honesta, mais prudente e mais legítima.]
Art. 4º São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;
[“Respectiva prescrição” fica adequado (“respectiva prescrição” é relativa ao correspondente diagnóstico, mas é fundamental explicar qual diagnóstico). O diagnóstico só pode ser o “diagnóstico médico” – o CFM definirá, depois, o que é diagnóstico médico, se assim fizer sentido. “Diagnóstico nosológico” quer dizer “diagnóstico das doenças assim definidas pelos manuais de nosologia”. Há dois aspectos para considerar: se compete ao médico o diagnóstico de doenças, então lhe escapa o diagnóstico de problemas de saúde ou de necessidades em saúde. Os médicos realizam diagnóstico de afecções mal definidas e das condições difusas que ainda não se encaixam nas definições conhecidas como doença, também fazem diagnóstico de aflições e vivências de sofrimento que não equivalem a doenças. “Dores” que não devem ser conduzidas ao diagnóstico de doença porque simplesmente falam dos modos de levar a vida e requerem atenção médica, suporte, acompanhamento ou clínica, mas não eliminação, erradicação ou extirpação. São necessidades em saúde e requerem cuidado, atenção, alívio de sofrimento, prescrição terapêutica. Nessa hora o objeto se alarga e o médico passa a pertencer a uma equipe de saúde. O próprio projeto de lei, entretanto, prevê como privativos de médico, os procedimentos invasivos estéticos, ou seja, inclui-se o diagnóstico de dano ou sofrimento e, ainda, circunstância estética (que não é igual à doença). Todas as intervenções estéticas que têm em vista embelezamento não correspondem à doença. Os médicos diagnosticam necessidades de saúde mais precisas também, como as resultantes de agravos como ferimentos, acidentes, calamidades e por aí afora. De outra parte, todos os profissionais de saúde realizam diagnóstico de doença, retirar-lhes essa capacidade é o mesmo que dizer que toda a sua oferta terapêutica está dissociada do tratamento ou excluída de autonomia na formulação de critérios de intervenção. Não basta preservar o previsto nas profissões, é uma questão de conceito. As profissões, porque crescem e se modificam, alargam conhecimentos, práticas e competências, não são estáticas. A história as modifica, podendo até mesmo serem extintas. Por isso essa Lei é anacrônica, ela instaura a fixação do que estava em mudança. Toda a intervenção terapêutica resulta de critérios de intervenção; a aplicação de critérios de intervenção é o diagnóstico. Na composição das 2 análises, existe apenas um único tipo possível de redação: é privativo do médico o diagnóstico médico ou de necessidades de intervenção médica, o que se repetirá para 100% das profissões que atuam na saúde (diagnóstico e tratamento psicológicos, diagnóstico e tratamento fisioterapêuticos, diagnóstico e tratamento de enfermagem...). Uma questão bem mais delicada é relativa aos sentidos e riscos da expressão diagnóstico nosológico, pois a definição de doença não pode competir privativamente ao médico (de jeito nenhum), isto seria restaurar a biopolítica do século XVIII (com todas as suas consequências ainda intangíveis), tão duramente revista ao longo dos 2 últimos séculos por toda a antropologia médica, a psicanálise, a educação em saúde e a saúde coletiva. Chega a causar sofrimento intelectual ver esse conceito ganhar estrutura de lei, quando todas as ciências humanas em saúde vêm reivindicando o conceito de saúde humana e das coletividades como território das humanidades, da singularização da vida e das articulações entre políticas sociais econômicas e qualidade de vida. O que é privativo do médico é o diagnóstico médico e a intervenção médica, ficando em aberto essa construção social, científica, epistêmica, tecnológica.]
II – indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;
III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, sejam terapêuticos, sejam estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;
[A responsabilidade do curativo do acesso venoso profundo deve ser do Enfermeiro da unidade hospitalar, este profissional deve participar da escolha, licitação e avaliação do material a ser utilizado, assim, deve-se supor que, no caso de especial treinamento, esse profissional possa exercer tal função em locais e condições especialmente definidas em protocolo assistencial, como é o caso de certas regiões do país e serviços de urgência (mais um item para as exceções – é uma coisa confusa a prever e exceptualizar, a exceptualização é a prova da incoerência da proposta). Enfermeiros especialistas em urgências e desastres e em oncologia requerem especial treinamento e desenvolvem especial habilidade, enquanto quaisquer médicos, independentemente de especial treinamento, não estarão habilitados. Há necessidade de associar formação básica e especializada, assim como o perfeito ajustamento da equipe exigida à situação. A indicação da execução pode acontecer a distância, mediante acesso à informação narrada e sob questionamentos técnicos (teleconsultoria), enquanto a execução é exercida por profissional experiente.]
IV – intubação traqueal;
[Especialistas em urgências e desastres, em intensivismo e em pacientes críticos desenvolvem especial habilidade, enquanto quaisquer médicos, independentemente de especial treinamento, não estarão habilitados. Enfermeiros, fisioterapeutas em fonoaudiólogos possuem forte treinamento em anatomia da cabeça e pescoço, não possuem habilidades para o que não realizam. Entretanto, mediante especial treinamento poderiam realizar a intubação traqueal. Há necessidade de associar formação básica e especializada, assim como o perfeito ajustamento da equipe exigida à situação.]
V – coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como as mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal;
VI – execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral;
[Bloqueios anestésicos são requeridos em procedimentos simples onde se requer a supressão da dor, como em unha encravada, retirada de corpo estranho na pele e pequenas suturas. A episiorrafia em parto normal é atribuição legal regulamentada de enfermeiros. Na experiência internacional, o enfermeiro pode ser qualificado e especializado no exercício da prática anestésica assim como na aplicação de diferentes técnicas analgésicas. Não é razoável colocar como privativo o que se pode estimar como mudança provável, aperfeiçoamento e evolução dos sistemas de serviços de saúde. Qual é o mérito de obrigar as politicas públicas a execptualizarem toda hora alguma coisa? É só para adotar a estratégia de poder e reserva de mercado. A iniciativa claramente intencionada nos itens III, IV, V e VI é restringir as políticas públicas de expansão da cobertura em urgência e emergência, em disseminação da atenção ao parto normal e em instalação de cirurgias ambulatoriais na atenção primária. Iniciativas presentes nas políticas públicas de saúde desde a Conferência Internacional de Cuidados Primários, com práticas espalhadas por todo o mundo, a descoberto de regulação. É opção por fazer sem regulação, em lugar de incluir e regular a qualidade e limites éticos? Uma inversão dos movimentos de recomposição do trabalho e da resposta pública responsável pela regra e exclusão do acesso.]
VII – emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos;
[Os exames anatomopatológicos pertencem ao trabalho do biomédico e farmacêutico. Chega a ser da natureza do trabalho do biomédico. Temos que lembrar que a prioridade nacional ao tema do câncer não pode simplificar esse debate, em especial a prevalência do câncer de mama e colo de útero.]
VIII – indicação do uso de órteses e próteses, exceto as órteses de uso temporário;
IX – prescrição de órteses e próteses oftalmológicas;
[Pura restrição de mercado contra optômetras e optometristas, uma profissão e um trabalho que pode resolver problemas em qualquer cidadezinha de interior a muito baixo custo, numa demanda crescente pelo envelhecimento da população. A população compra óculos de camelô no mundo inteiro. Não faz sentido essa restrição explícita dessa maneira. Ficaria melhor ajustado ter ampla cobertura oftalmológica em equipes e linhas de cuidado em oftalmologia, como se pensa na odontologia com o Técnico de Saúde Bucal. O trabalho em saúde ocular inicia na escola e vai aos hospitais de olhos.]
X – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
[O prognóstico não é apenas relativo ao diagnóstico nosológico, é o prognóstico possível ao alcance dos saberes médicos, logo é prognóstico médico, relativo ao diagnóstico médico.]
XI – indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;
XII – realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;
XIII – atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;
XIV – atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.
§ 1º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por no mínimo dois dos seguintes critérios:
I – agente etiológico reconhecido;
II – grupo identificável de sinais ou sintomas;
III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.
§ 2º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésiofuncional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva.
§ 3º As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
[Esse bloco todo é absolutamente sem sentido, marca o que abrange e o que não abrange, limitando a própria medicina em tudo que pode avançar em diagnóstico e intervenção, seja individualmente seja em equipe. A equipe de saúde não pode se dispor apenas ao que está “classificado” estatisticamente, deveria colocar-se à escuta de necessidades e na construção de projetos terapêuticos, de vida e de encontro entre saúde, cidadania e sociedade.]
§ 4º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:
I – invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos;
II – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;
III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.
[Esses limites estão extrapolados, a intenção é impedir o que somente deveria ser impedido pelos órgão de vigilância sanitária, único mecanismo sempre atual e mediante acompanhamento da realidade, inclusive mediante negociação com os conselhos profissionais. A restrição exagerada em lei apenas serve à geração de práticas clandestinas, ilegais e até viagem em busca do acesso às práticas “livres” (apesar do risco). É muito mais comum o Erro Médico que a prática clandestina. Então é muito mais razoável defender a Vigilância Sanitária!!! Ficam proibidas para não médicos a passagem de sondas naso ou orogástricas e naso ou oroentéricas, sonda vesical, inclusive de alívio, sondagem retal...]
§ 5º Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:
I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e
intravenosas, de acordo com a prescrição médica;
II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;III – aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;
IV – punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica;
[Em lugar de tanto excetuam-se, um sinal da abusividade, dever-se-ia juntar tudo isso, com mais os itens assinalados como trabalho em equipe no artigo das atribuições privativas, caracterizando trabalho como membro da equipe de saúde. Nesse sentido, pode (e precisa) sumir o “de acordo com a prescrição médica”, a relação de equipe não é de delegação e subordinação, é de coletivos organizados de produção, de trabalho protegido, de corresponsabilidade. Vale a defesa da Vigilância Sanitária e até mesmo as câmaras de negociação do trabalho profissional. A Lei bloqueia o futuro em ciência e profissões e o diálogo internacional em trabalho e profissões. Que sentido pode ter isso?!]
V – realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;
VI – atendimento à pessoa sob risco de morte iminente;
VII – a coleta de material biológico para realização de análises clínicolaboratoriais;
VIII – os procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual.
§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
[É preciso incluir a Enfermagem, assim como a Odontologia, declarando “no âmbito de sua área de atuação”, pois são inúmeras as sobreposições medicina e enfermagem e o futuro vai alargar cada vez mais a sobreposição ao conhecido de hoje pela introdução e renovação de tecnologias, além da necessidade de negociar práticas internacionais. O medo da medicina em relação ao crescimento da enfermagem não pode significar a imposição de restrição por Lei, apenas aceitação das negociações do trabalho em políticas públicas, relações internacionais e critérios de vigilância sanitária.]
§ 7º São resguardadas as competências específicas das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional, técnico e tecnólogo de radiologia e outras profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.
[Que sentido pode ter uma lei de exercício profissional referir nominadamente as demais? A única formulação possível seria de que o médico atua em equipe de saúde em constrói seu pertencimento à equipe em bases interdisciplinares de atuação multiprofissional. Nesse tipo de texto, também ocorre a mistura de profissões científicas com profissões técnicas e tecnológicas, isto reduz todas as profissões de saúde ao estatuto de tecnologias e apenas a medicina e a odontologia como científicas. Ora, uma profissão como a psicologia, nasce primeiro como ciência e apenas depois como profissão. A biologia é uma ciência básica e está na essência de todos os saberes sobre o vivo ou a vida (qualquer espécie de vida: humana, animal, vegetal, aquática, florestal, no deserto, em outros planetas etc.), não se reduzindo ao trabalho na saúde (não é ciência da saúde, é ciência da vida). A biologia incide sobre a saúde com caráter científico superior (a maior parte dos prêmios Nobel de medicina são relativos aos biólogos, não aos médicos). O serviço social, embora configure alta empregabilidade no setor da saúde, pertence a outro campo de saberes: a assistência social, que tem repercussão no judiciário, nas pedagogias sociais, em todos os tipos de desigualdade e iniquidade social. O serviço social, na esfera da ciência, pertence às Ciências Sociais Aplicadas, não às Ciências da Saúde. Então, não se trata de resguardar as competências próprias das outras profissões, o simples fato de citá-las às rebaixa no espectro intelectual ou às restringe a lugares sem sentido na ciência contemporânea e história da ciência. Inclusive com um autoritarismo da saúde sobre espectros outros que lhe escapam. A biologia, psicologia e serviço social são os exemplos mais cabais, uma vez que nem da saúde são. A biologia é Ciências Biológicas (dá nome a um campo de ciência, que se refere a qualquer presença de DNA na face da terra ou fora de dela, até mesmo a existência de água em Marte). A psicologia é Ciências Humanas (dá nome a qualquer processo subjetivo, que vai da explicação da inteligência humana às estruturas da cognição e dos afetos que constituem as relações inter-humanas, a sociabilidade e produção da cultura ou da arte). O serviço social é Ciências Sociais Aplicadas (dá nome a todas as estratégias sociais de superação das dificuldades de viver em sociedade: deficientes, pobres, asilados, marginalizados, excluídos, incapacitados, desempregados, apenados, infratores, segregados e toda ordem de vulnerabilidades sociais). A farmácia, além de uma ciência que abarca aspectos da bioquímica, da tecnologia de alimentos, das análises clínicas, da fabricação de medicamentos e da farmacologia, é a 3ª profissão mais antiga da saúde, junto com a medicina e a odontologia. A nutrição, embora uma ciência da saúde, não é uma profissão específica da saúde, a nutrição é necessária em qualquer instância onde se organize de maneira estrutural a alimentação, o que considera todo e qualquer refeitório, cozinha e restaurante (de escolas ou universidades, de fábricas, comunitários, de albergues sociais, de prisões...), todo o campo da segurança alimentar, indústria de alimentos, todas as políticas de combate à fome, a economia doméstica, a regulação da cadeia alimentar etc. requerem o nutricionista. A Educação Física atua predominantemente na área da educação e do esporte, que não são da saúde, atando na saúde com todas as referências da ludopadagogia, além do ludodiagnóstico e ludoterapia, que se colocam em qualquer ambiente com a presença de coletivos em recreação, lazer assistido ou atividade física atividade física/prática corporal. É longa e histórica a luta da Educação Física pelo fim do exame médico para fins de aula de educação física na escola, lutando pelo fim da tutela médica em sua intervenção profissional. Percebe-se que não faz o menor sentido uma lei sobre medicina referir as outras profissões. É uma invasão anticientífica e de forte dano moral, ainda que preservadas as prerrogativas legais das profissões, posto que reduz a ciência a uma questão de prerrogativas corporativas de trabalho na saúde.]
Art. 5º São privativos de médico:
I – direção e chefia de serviços médicos;
II – perícia e auditoria médicas, coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;
III – ensino de disciplinas especificamente médicas;
IV – coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.
[A coordenação do curso de graduação não pode ser privativa, uma vez que a formação generalista requer abordagem mais abrangente, o que não acontece na residência médica e especialização específica de habilidades médicas. Essa situação é corrente nas muitas profissões e um princípio contemporâneo. Os cursos de saúde têm sido abertos em conjunto uns com outros, justificando-se sim a coordenação por profissional de qualquer profissão implicada com aquela formação. Isso é contemporâneo, realista, honesto e coerente. Nenhuma coordenação de curso, hoje, é autoritária, todas são sob a forma de colegiados interdisciplinares, comissões de curso e coletivos docentes.]
Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico.
Art. 6º A denominação de “médico” é privativa dos graduados em cursos superiores de Medicina, e o exercício da profissão é privativo dos inscritos no Conselho Regional de Medicina com jurisdição na respectiva unidade da Federação.
Art. 7º Compreende-se entre as competências do Conselho Federal de Medicina editar normas para definir o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelos médicos.
Parágrafo único. A competência fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.
Sala da Comissão,
Presidente
Relator
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